segunda-feira, setembro 17, 2007

Um sol. Muitos tempos

O sol pré-poente parecia decidido a reafirmar sua condição de astro-rei. E lançou sobre seus súditos um calor incomum para aquele período do ano. E ele, após um dia de trabalho daqueles de que não se deve sentir saudades, não se importou com a alta temperatura. Logo ele, que detesta calor. Mesmo assim, dispensou o ar-condicionado de seu carro e dirigiu de frente para o sol, que o cegava e, estranhamente, o inebriava.

Talvez não tenha se dado conta do calor que sentia. Ou talvez o estivesse admirando. O suor que escorria por seu corpo e lhe molhava a camisa não o aborreceu. Muito pelo contrário. Provocou-lhe uma nunca experimentada sensação de bem-estar. Compunha, junto ao ofuscante brilho do sol e o blues rouco que tocava no som do carro, um cenário que o conduzia para longe dali.
Chegou a sentir-se dirigindo por alguma estrada deserta, ensolarada e poeirenta da Louisiana. Por alguns minutos, pôde ver a vegetação que margeia as estradas do sudeste americano no auge do verão.

Sentiu-se passar agora por algum arremedo de cidade. Daquelas que só parecem existir para desafiar a lógica de que não há vida fora dos grandes centros. Sentiu cheiros, viu pessoas. Viu casas de pinturas desgastadas e mulheres com pinturas extravagantes. Absorta, a velha debruçada na janela possuía o olhar mais vago que jamais vira em sua vida. E ele daria a própria vida para descobrir o teor daqueles pensamentos.Viu o bêbado que ergue o copo vazio com o mesmo entusiasmo de quem ainda dará o primeiro gole. Dois cachorros de raças duvidosas atracavam-se numa sangrenta batalha por um apodrecido pedaço de carne. O marido estúpido e impaciente acelerava o passo a cada apelo da mulher, que, com uma criança no colo, suplicava-lhe perdão por algo de que certamente não tinha culpa.

“Quanta beleza há na decrepitude”, pensou.

De algum beco do outro lado da rua pôde ouvir o som de um coral. Pensou em parar. Mas não dava, ainda que o olhar da bela negra à porta de um bar decadente o tentasse a desistir da viagem. Duas crianças que rabiscavam a calçada nem se deram conta de que ele passava por ali – provavelmente o único forasteiro naquela cidade em muitos anos. Nunca esteve lá, é bem verdade, mas sentiu uma saudade sufocante daquela rotina que jamais fora sua.

O calor aumentara. Novamente, não se importou. Aumentou o som do carro. Lamentou a falta da cerveja. Mesmo assim, sentiu seu gosto. Sorte sua não haver uma à mão, pois, se houvesse, não hesitaria em macular sua conduta e beberia, despreocupadamente, ao volante.

Reduziu a velocidade do carro, como se aquela atitude pudesse desacelerar o ritmo com que o sol, já vermelho, se punha, despedindo-se. Mesmo assim, seguiu em direção a ele, sabendo que jamais o alcançaria, mas que também jamais desistiria.

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