sexta-feira, dezembro 29, 2006

Caminhar no Rio. Corra, doido, corra!

Há lugares em que o prosaico ato de caminhar merece atenção redobrada. Não necessariamente pelos perigos que oferece, mas pela confusão que, em determinados períodos do ano, os marca. Um desses lugares é a Cidade Maravilhosa – o Rio, para os de casa. Caminhar por aqui não é moleza, apesar de ser uma delícia.

Quando falo em caminhar refiro-me precisamente às caminhadas a pé. Não confundam com passear de carro, trem, ônibus ou metrô. É o ativar as canelas que torna a coisa meio diferente por aqui.

Não sei se essa percepção é mais interessante para mim (um ex-morador da cidade e agora mero turista) do que o é para as demais pessoas. Mas o fato é que andar pelas ruas do Rio de Janeiro, mais precisamente pelas do bairro de Copacabana (onde morei e onde hoje sempre me hospedo), é uma novela.

Primeiramente pelo comportamento das pessoas daqui (falo “daqui” porque, neste exato minuto, estou curtindo as minhas férias na terra onde a Vivi nasceu). O carioca, também pelo fato de morar à beira mar, tem um comportamento bastante diferente do dos moradores de outras cidades. Inclusive daquelas que têm praia.

Aqui, a qualquer hora do dia, as pessoas estão vestidas basicamente com roupas de praia em qualquer lugar que se vá nos bairros mais próximos das praias. Nos restaurantes, padarias, lojas, enfim, em qualquer lugar, biquines, maiôs e sungas são as vestimentas mais comuns. Eu, particularmente, acho isso um barato, especialmente pelo fato de passar o ano inteiro trabalhando numa cidade como Brasília.

Bem, além disso, é curioso outro traço do comportamento do carioca. Sempre brinco com a Vivi dizendo que os conterrâneos dela são “barraqueiros”. É verdade. É praticamente impossível caminhar pelas ruas daqui sem se deparar com um bate-boca. Também é verdade que isso pode ser um traço decorrente tanto do fato de tratar-se uma população que luta pelo que quer, como por estar constantemente submetida a doses injustas de violência. Mas também sou obrigado a dizer que o carioca é, certamente, o povo mais espirituoso do Brasil. Tudo aqui vira piada e deboche. O bom humor aparece nas mais diversas ocasiões e quando menos se espera.

Um dia desses, por exemplo, eu estava no metrô (superlotado) quando recebi os parabéns e um agradecimento por parte de uma senhora ao meu lado. A princípio, é claro, estranhei, mas ela logo explicou. Falando bem alto (outra peculiaridade do carioca) disse que estava feliz por eu estar cheiroso e bem perfumado ao lado dela. Disse que o maior sofrimento de sua vida é pegar metrô lotado com gente fedorenta. Eu, que havia acabado de tomar banho, fiquei feliz com o elogio, mas também envergonhado pelo fato de ela ter dito aquilo na frente de um monte de gente, que ficava me olhando... Bem, mas, este post é para falar sobre caminhadas a pé. Então, vamos lá.

Nesta época do ano, o bairro de Copacabana, que já é lotado por natureza, fica absolutamente entupido de gente. Mesmo nas madrugadas é preciso atenção para não sair esbarrando com o pessoal.

Atenção, também, e a qualquer hora do dia, com os cachorros. Ou melhor, com os cocôs dos mesmos. O “copacabanense” é aficcionado por um au-au. Absolutamente compreensível, especialmente num bairro em que a população idosa é bastante numerosa. Os cachorros, portanto, são companhia para simpáticos velhinhos e velhinhas de Copa. O problema é que recolher as cacas que os bichinhos fazem nas ruas é quase uma anomalia por aqui. Raríssimos são aqueles que o fazem.

Outro cuidado que se deve ter são com os velhinhos mesmo. Algumas vezes eles caminham acompanhados de familiares ou assistentes. Mas em outras, batem perna sozinhos, na boa. Acho isso sensacional. E não se engane achando que, por estarem em idade avançada, eles são bobos.

Um dia desses, uma mocinha desavisada esbarrou numa senhora que caminhava com o auxílio de uma muleta e, para fazer valer a lei do “barraquismo” do carioca, a velhinha só não chamou a mocinha de espírito-de-luz. Do resto, ela chamou. Cá pra nós, fiquei impressionado com o repertório de desaforos e palavrões pronunciado pela anciã, o que mostrou que, se não paciente, pelo menos ela é bem atualizada. Falou até “caralho” - palavrão que, pra mim, é um dos mais recentes da humanidade...

Bem, outro desafio (esse sim, dos grandes) é atravessar as ruas. Meus amigos, o motorista carioca é o mais carioca dos cariocas. Entenderam? Quero dizer: se você acha os cariocas mal educados, observe o que eles fazem no trânsito. Vai perceber que semáforos, faixas de pedestre, placas para não buzinar e tudo o mais não devem passar de mero ornamento na concepção deles. Atravessar a rua, portanto, é duelar com esses motoristas.

E não adianta reclamar: o pedestre, aqui, não tem vez. Os caras cortam sinal, fecham as passagens, sobem em calçadas e ainda podem xingar todas as suas futuras e antepassadas gerações caso você proteste. As esquinas são áreas de risco total. Taxistas e motoristas de vans e ônibus fazem as curvas em velocidades inacreditáveis, espremendo-se por todas as brechas possíveis (e mesmo as impossíveis) e despreocupando-se, totalmente, com quem está tentando atravessar a rua.

É um salve-se quem puder. Se o sinal está fechado para eles, é sempre recomendável olhar com atenção para ver se ninguém vai desobedecer à luz vermelha. Quando estão parados, sente-se facilmente a tensão que os domina à espera da luz verde. Duvido que algum deles mantenha o carro em ponto-morto quando parados em sinais. Os roncos dos motores sendo acelerados são os sons mais comuns. Dizem que o Millôr Fernandes criou a frase segundo a qual é no Rio de Janeiro que pode-se constatar a menor fração de segundos entre o abrir de um sinal e uma explosão de buzinas.

É a mais pura verdade. Os motoristas buzinam enlouquecidamente. E por tudo. Suspeito eu que eles crêem piamente que as buzinas têm o mágico poder de desmaterializar os veículos da frente. O pedestre, nisso tudo, fica até constrangido, com peso na consciência, por estar interrompendo aquele tão fundamental fluir dos motoristas. Sinceramente, um dia desses eu tive até vontade de pedir desculpas aos motoristas ao atravessar a rua, obedecendo rigorosamente aos ditames do semáforo. Parece que eu os estava pedindo um favor imenso, afrontando-os ou amaldiçoando-lhes os filhos.

Aqui, tem uns sinais para os pedestres que, se bem analisados, compõem uma cena de comédia. Já conhecendo os motoristas que têm, os engenheiros de trânsito do Rio de Janeiro colocam em algumas das ruas de Copacabana uns semáforos que, além de acenderem uma luz verde para os pedestres, ainda os avisam sobre o tempo de travessia “segura” que lhes resta.
Minha gente, é hilário. É uma contagem regressiva assustadora! Quando o bicho fica verde pra gente, é cada um por si e às vezes nem Deus por todos. É uma multidão desesperada olhando para aquela contagem do mal. Parece que o mundo vai se desintegrar ao fim daqueles segundos remanescentes. Todo mundo olha pros sinais e passa sebo nas canelas. Entre coleiras e bangalas, os coitados dos transeuntes, aglomerados de forma absurda, correm em desespero para o lado oposto. Depois, respiram aliviados por terem sobrevivido. Mas novamente retomam as orações, porque, mais ali, tem outra rua a atravessar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Hahahaha muito bom.
E você sabe né? A pessoa que buzina para o carro da frente é a mesma que aperta o botão do elevador 335 vezes, achando que ele vai descer mais rápido. E também aquela que acha que quanto mais engarrafamento, mais caro fica o táxi!

Ali da Fiocruz, esperando no hall, eu divagava muito sobre o que aquelas pessoas achavam que ia acontecer com tamanha quantidade de dedadas no botão. Ficava imaginando, coitadas das pessoas dentro do elevador, vão bater a cabeça no teto, devido à velocidade determinada pelo botão.

Bom, não sei se isso acontece só aqui no Rio, porque o único elevador que eu peguei fora da minha cidade foi o elevador Lacerda e lá na Bahia eu tenho CERTEZA que ninguém está preocupado se o elevador vai demorar 1 ou 10 minutos para descer!

Um beijo!

Ana Laura disse...

É exatamente isso, Wagner!!!