sexta-feira, janeiro 19, 2007

Fundamental é não ter

Nenhuma lição é tão completa e edificante quanto o “não ter”. Por isso, acho que não ter é essencial na vida de cada um. Não defendo, com isso, que temos de viver à míngua. Na verdade, é o contrário. Torço, sim, para que todos (menos aqueles que não prestam) consigam conquistar tudo aquilo que desejam. Mas, para que a conquista realmente tenha sabor de conquista, é preciso um não ter, digamos, prolongado – no tempo e na angústia. Parem para raciocinar e poderão me dar razão.
A não ser que você seja um milionário, ou que nunca tenha tido ambições significativas, vai perceber que aquilo que mais valorizou na vida foi aquilo que mais teve dificuldade em conseguir.
Sei que não estou dizendo nenhuma novidade, mas decidi escrever sobre isso ao recordar das maravilhosas sensações de recompensa quando conquistei alguns sonhos em minha vida. Pelo que lembro, o primeiro deles foi a minha primeira bicicleta.
Lembro até hoje da campanha que a Caloi fazia na TV, estimulando as então crianças dos anos 80 a espalharem bilhetinhos pela casa com os dizeres “não esqueça a minha Caloi”. Como fui criança nessa época, segui a receita. Mas nada veio fácil. Para ser bem sincero, passei um ano inteiro espalhando os bilhetinhos: pela casa, no trabalho do meu pai, nas bolsas da minha mãe, no carro deles etc. Mas, nada. Brincava com a molecada na rua mas, pedalar que é bom, só em bicicletas emprestadas pelos amigos ou pelo meu irmão mais velho (sim, ele tinha uma e eu não!).
Pensei que o meu aniversário seria a ocasião na qual o sonho se realizaria. Qual nada. O tempo passou, mas o desejo de ter minha própria bike só aumentava. Mas eis que, no último dia de aulas no colégio Marista, após receber o resultado de uma aprovação brilhante (desculpem a falta de modéstia, mas é verdade) meu pai chega em casa e, junto à minha mãe, pede que eu vá buscar uma sacola que eles haviam esquecido no carro. Na verdade, na Kombi, pois tratava-se do carro da loja de meu pai.
Abri a porta e buf!! Lá estava ela. Vermelho Ferrari (pelo menos o era pra mim), guidão cromado, novinha em folha. Na hora, fiquei na dúvida sobre quem seria o proprietário daquela “máquina”. Mas a presença de meus pais atrás de mim, sorrindo com o meu espanto, desfez qualquer dúvida. Imediatamente, pulei nos braços deles para agradecer e corri para a rua, chamando todos os amigos para me acompanharem num passeio com a MINHA bicicleta. Sabe lá Deus a que horas fui dormir, de tanto que pedalei naquela noite. Por anos, a bicicleta foi a razão de meus melhores momentos da infância. Só me desfiz dela, mesmo assim com o coração apertado, quando eu já havia crescido demais para continuar com aquela “baratinha” – apelido que os amigos da rua deram a minha bicicleta.
Outro super sonho realizado foi a minha prancha de bodyboard. Também foram uns dois anos de apelos incansáveis aos meus pais para conseguir uma. Como morava na praia, passava o dia inteiro no mar, pegando onda também com pranchas emprestadas dos amigos. Nada sensibilizava meus pais a me darem uma, nem mesmo a fixação que o esporte havia se tornado em minha vida. Vivia com a pele torrada de sol (marcas que carrego até hoje), o cabelo virou palha e a conversa sobre campeonatos e mitos do bodyboarding com os amigos definitivamente compuseram um novo eu.
Eis que uma amiga minha decidira vender a sua prancha. A quantia era um pouco acima do que eu havia juntado com a grana que o trabalho na loja do meu pai me rendia. Acordei com ele uma espécie de “adiantamento” e, enfim, mais um sonho se concretizava. Nem me importava com o fato de ser uma prancha usada. Para mim, ela era a melhor do planeta. Pensei que viraria manchete de jornal como a primeira pessoa a explodir de alegria. E seria uma explosão a cada dia, de tão feliz que eu estava. Ficava na praia das primeiras horas da manhã até o sol se pôr completamente. Tanto empenho redundou numa breve, mas bem sucedida carreira de bodyboarder. Competi, viajei, venci, conheci muita gente e lugares diferentes. Foi, sem dúvida, o mais prolongado de todos os sonhos. Afinal, dura até hoje – não a prancha, é claro, mas a paixão pelo esporte. As competições também ficaram pra trás, mas as sensações de euforia que o esporte me proporcionou dão o ar da graça de vez em quando – especialmente quando viajo ao litoral e posso matar as saudades das ondas.
O terceiro grande sonho foi a temporada no exterior. Desde a pré-adolescência que sonhava com isso. E tinha de ser no Canadá. Sempre que me perguntam o porquê dessa preferência, respondo, de imediato: por causa da bandeira daquele país. É verdade, juro! Acho a bandeira canadense nada menos que fantástica e, como desde criança sempre gostei de ver mapas e bandeiras, logo simpatizei com aquele país, e prometi a mim mesmo que iria para lá. Como a grana em casa nunca foi abundante, não tive a oportunidade de fazer os intercâmbios que os amigos da escola faziam freqüentemente.
Os anos foram passando, entrei pra faculdade, comecei a trabalhar e aí, sim, a ganhar meu dinheiro próprio. Com a primeira promoção de cargo, vi que a chance chegara. Juntei cada centavo durante meses e mais meses. Não pedi um mísero níquel a seu ninguém. Nada, nada, nada. Ralei pra caramba, fiz alguns frilas, deixei de ir pra baladas, comia em restaurantes mais baratos, e, finalmente, passei os quatro meses mais incríveis na minha vida na belíssima Toronto, com direito a conhecer outras cidades canadenses e também americanas. Deus sabe como aproveitei cada segundo de cada dia dos meses que passei por lá.
Há poucos meses, realizei outro sonho monumental: a compra do primeiro apartamento. Estou, a cada dia, curtindo o nosso cantinho, cada detalhe dele, cada cheiro etc. E garanto: não há sensação que se compare à de um sonho concretizado, ou à de ter o que você não tinha.

Nenhum comentário: