quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Carnaval, meditação, farofa e barata

Um sucesso. O carnaval de 2005 foi um dos melhores da minha vida. Não, nada de desfile em escola-de-samba, frevo, axé-music ou coisas do gênero. Não que eu não goste de uma farra, mas este ano o espírito foi outro. Eu e a Vivi não sabíamos o que fazer nos dias do reinado de Momo, ainda mais pelo fato de o carnaval de Brasília ser tão animado quanto leitura de projeto de lei. Já estávamos quase nos conformando com a idéia de ficar na cidade quando a Jane, amiga de trabalho da Vivi (aquela mesma, do calendário desavergonhado sobre o qual escrevi aqui), sugeriu uma pousada localizada numa chapada nos arredores da capital do Brasil. Vi o site na internet e logo me apaixonei. Tivemos sorte em conseguir vaga. Fizemos nossas reservas e, no domingo pela manhã, partimos para lá. Fomos eu, a Vivi, a minha sogra e o Nick (o poodle dela). O lugar fica a apenas uns 50 quilômetros de Brasília, o que nos fez pensar que não demoraríamos nem uma hora até chegar lá. Bem, mas acontece que a viagem foi empreendida pela dupla Wagner & Viviane, campeões de trapalhadas. Como continuamos nos mantendo fiéis à nossa fama, protagonizamos algumas delas.

O CAMINHO
Bem, a primeira trapalhada foi conseguir pegar a estrada. Pois é, simples, né? Para mim, porém, nem tanto. Convencido, deixei a Vivi ao volante e fui dizendo como ela deveria proceder para chegarmos brevemente ao nosso destino. Ela já havia pego o mapa pela internet. Bastava, apenas, seguir pela Estrutural, uma via que liga Brasília ao nosso destino.
Sabemos pegar a Estrutural indo até o final do Eixo Monumental. Acontece que moramos na Asa Sul, mais precisamente na 210. Por isso, optei por sermos mais ousados e seguirmos por um caminho diferente. "Vamos cortar pelo Parque da Cidade, chegar ao Sudoeste e de lá pegar a Estrutural", planejei. O plano era perfeito, pois esse caminho é realmente mais curto. Só que, entre o planejamento e a execução...
Nervosinha como ela só, ainda mais estando ao volante, a Vivi começou a reclamar e a dizer que não sabia ir por aquele caminho que estávamos pegando. Eu só tentava acalmar. Já estávamos no Sudoeste, num dos eixos que nos conduziria à Estrutural, mas as constantes dúvidas da nossa motorista acabaram, também, me deixando com dúvidas. "Eu acho que a gente tem de ir pro outro lado", dizia a Vivi. Eu, ao contrário, afirmava exatamente o oposto: "estamos no caminho certo. Logo ali, depois do viaduto Ayrton Senna, vai ter o acesso à Estrutural", expliquei, em vão. Pra fazer a vontade dela, falei pra pegar o primeiro retorno para irmos por onde ela achava certo. O problema é que estávamos exatamente de frente ao bendito retorno, só que no meio da pista!!! E não é que a doida tentou pegá-lo??? Mas, claro, não conseguiu. Quase nos mata do coração, jogando o carro pro lado e ainda quase entrando pela contramão do retorno.
O jeito foi parar num posto de gasolina e pedir informações. Resumo da ópera: acabamos pegando o caminho que eu havia sugerido desde o começo e logo encontramos a danada da Estrutural. Ok, estrada boa, trânsito livre e alegria e ansiedade em alta, pois o feriadão prometia. Num dos trevos, pegamos a via errada, mas logo nos demos conta do equívoco e retornamos para o caminho do bem.
Lá na frente, seguindo o nosso mapinha, chegamos a uma estrada de barro. Pois é, nada menos que 11 km de buraqueira nos aguardavam.
Pensamos, logo que chegamos a essa estrada de barro, que o trecho estava ruim. Nos enganamos: estava péssimo. Reclamando da buraqueira sem parar, a Vivi ia numa velocidade não muito superior a 7 km/h — no que estava absolutamente certa, pois, apesar de ser novo, o nosso carro não é um jipe para sair ileso daquele queijo suíço.
Nos conformamos e seguimos em frente. Havia trechos revoltantes de tão esburacados. Pior é quando passava algum engraçadinho por nós em alta velocidade (20 km/h) e nos obrigava a comer barro.
Os sucrilhos que eu havia comido no café-da-manhã certamente estavam sendo triturados devido aquele sacolejar.

O LUGAR
Ok, chegamos, enfim, à pousada. O lugar era de fato lindo. Um silêncio maravilhoso e um visual deslumbrante. Como fizemos as reservas muito em cima da hora, não conseguimos ficar nos chalés, que são sensacionais. Mas ficamos numa suíte muito legal. Ampla, ela tinha nada menos que seis camas (todas com colchão de mola). O banheiro era show de bola e tinha até sabonete de verdade — e não aquelas miniaturas que acabam quando você lava as mãos.
Permita-me descrever um pouco mais a pousada para entender os futuros acontecimentos.
O local é natureba total. 100% zen. Nos quartos não há aparelhos de telefone ou televisão. Mas, para não perder os desfiles das escolas-de-samba, carregamos o nosso "home-theater": uma tv de 14 polegadas!!!).

DETALHES
Bem, na pousada, o cardápio é vegetariano. Os únicos animais existentes ali estão vivinhos da silva e, pelo que vimos, não correm o menor risco de ir pra panela. Não existe bebida alcóolica também.
Além dos passeios às cachoeiras da região, a programação do hotel é composta por yôga, Tai Chi Chuan, palestras e vídeos que mostram como você é perveso por consumir alimento animal.
Espalhadas por toda a área da pousada estão serenas estátuas de Sidarta Gautama. Todas as espécies de bichos podem ser ouvidas lá. Os sapos coaxam felizes da vida, assim como cantam os passarinhos, as lagartas, etc.
É proibido qualquer tipo de barulho produzido por aparelhos de som, TV, etc. Falar alto também não é aconselhado. Essa, aliás, foi uma grande preocupação minha. Afinal, eu estava acompanhado de duas cariocas. O carioca, se você ainda não prestou atenção, é o campeão do barulho. Suas gargantas produzem sons de decibéis proibitivos. Uma simples conversa entre dois cariocas pode dar a impressão ao desavisado de que uma briga está se desenrolando na sua frente. Às vezes, quando estou um pouco mais distante, penso que a Vivi e a mãe dela estão quebrando o maior pau e corro pra apartar. Felizmente, estão apenas comentando a novela...
Não sei é por causa da poluição sonora que impera no Rio que eles falam tão alto, mas o fato que é alertei as duas para que, pelo amor de Buda, falassem baixo e ligassem a TV num volume civilizado para não sermos chamados a atenção — ou coisa pior.

CURIOSIDADE
Há algumas coisas curiosas na pousada. A começar pelo seu dono. É um cara meio esquisito, magrelão, que mede uns três metros de altura e tem os cabelos quase do mesmo tamanho — presos por um inabalável rabo-de-cavalo. Mas o cara é gente boa. De fala mansa, explica tudo direitinho e dá atenção a todo mundo. O interessante é que ele parece um São Francisco de Assis, pois está sempre rodeado de animais. De cachorros, pra ser mais preciso. Onde quer que o cara vá, os (muitos) cachorros da pousada o seguem.

PASSEIO
Assim que chegamos, preenchemos a ficha e fomos ao quarto. Nos trocamos e fomos para uma das cachoeiras do local. Era chamada de cachoeira das Mães. O lugar é sensacional. Como já era meio-dia, só nós e mais quatro pessoas estávamos por lá. A água gelada da cachoeira fez a Vivi passar a maior parte do tempo sentada numa pedra, coitadinha, tirando fotos da gente.
A volta pro hotel não foi tão agradável. Afinal, voltar de uma cachoeira geralmente significa ter de subir, subir, subir... A sorte é que o sol, que estava a pino, foi enconberto por uma maravilhosa nuvem, e chegamos vivos (e famintos) ao hotel.

A COMIDA
O almoço, ou melhor, todas as refeições, eram outra preocupação minha. Essa coisa natureba não me atrai muito. Tudo bem, não sou um carnívoro desesperado. Nem gosto de carne vermelha, pra dizer a verdade. Mas daí a não ter sequer um franquinho grelhado era demais. Pensei que a coisa mais suculenta que iria encontrar por lá seria uma folha de alface com gosto de nada e cobertura de coisa alguma. Novamente, o meu preconceito me fez quebrar a cara. Nos surpreendemos quando vimos a variedade de pratos. De fato não há nada de animal ou lácteo. Mas dá pra sobreviver numa boa. Até feijão tem! Há diversas saladas, um arrozinho fantástico, batata com um creme de não-sei-de-que etc. E, por incrível que pareça, tem até sobremesa!!! Doce de goiaba, geléias e mesmo doce-de-leite (mas claro que é de leite de soja - mas o gosto é o mesmo). Numa das noites, rola até rodízio de pizza - obviamente desprovida das suculentas porcarias calóricas e animais a que estamos acostumados.

DIVERSÃO
À tarde, depois de uma sonequinha pra quebrar a rotina, fomos passear pelo local e aproveitar a programação deles. Quer dizer, eu fui direto pra piscina, pois sou um apaixonado por água. Durante todos os dias, o meu traje oficial era a sunga, pois, quando não era piscina, era cachoeira. (Um estresse horrível, sabe?). Bem, a Vivi e a mãe dela, imbuídas do espírito zen-busdista do local, foram para uma palestra e depois para uma aula de Tai Chi Chuan. Enquanto isso, eu lia meu livrinho à borda da imensa piscina redonda, cujo fundo tinha o Tao desenhado. Depois, caí na água. Finalizei a sessão anti-estresse na sauna a vapor. Quando voltei pro quarto, já com fome, fui convidado pela Vivi e pela mãe dela para participar de uma dança meio-doidona, meio-esotérica, meio-indiana que ia rolar em alguns instantes. Claro que recusei: "estou com muita fome pra isso". Mas claro que fui convencido a ir: "vamos fugir da rotina", argumentou a Vivi. Mico total! Ficamos nós, numa rodinha, com os braços levantados e batendo, alternadamente, com as pontas dos pés no chão, sempre por trás de uma das nossas pernas. "Dançávamos" ao som de uma múcisa indiana (acho) entoada por um camarada que parecia uma versão meio japonesa, meio paraguaia do Dalai Lama. Depois dessa bateção de pé (cujo sentido até agora desconheço), nos sentamos pra meditar. Ai, meu Deus. Eu morrendo de fome ainda tinha de meditar? Todos os meus pensamentos estavam direcionados pra comida. Não meditei porra nenhuma, resumindo. Ok, depois jantamos. Havia umas sopas deliciosas que, acompanhadas de uns pães com castanha, ficaram melhores ainda.

LA CUCARACHA

Já falei que a pousada tem tudo o que é bicho, né? Pois então. Quando a noite cai, eles se manisfestam. Parece que todos os sapos do mundo estavam por lá. A minha sogra, que morre de medo de perereca, já foi logo fechando todas as portas e janelas do nosso quarto. A Viviane, que como sempre é do contra, achou por bem deixar só uma janela aberta. Danou-se. Lá pra tantas, quando víamos TV, ouvimos algum barulho vindo da região da janela. Notamos que algo se movia por trás da cortina. "Eu falei pra deixar a janela fechada, né, Viviane?", reclamou a mãe dela. Claro que sobrou pro Wagner descobrir, enfim, que ser era aquele que causava tanto mistério. Mexi na cortina e ... nada. Seja lá o que fosse, devia ter ido embora, falei pras duas. Que nada! Um pouquinho depois, a minha sogra, tadinha, deu um pulo apavorado quando viu que bicho continuava se mexendo por lá. Foi ver o que era e descobriu. Chamou-me para dar fim àquele sofrimento. Era uma barata tamanho família. Caramba!!! Sabe barata cascuda? Multiplique-a por três: eis o que estava na nossa suíte. Acho que a vida no campo, a meditação e a yôga fazem bem pra elas, pois as criaturas são muito bem nutridas.
Enquanto eu procurava a maldita, a Viviane e a mãe dela já estavam trancadas e trêmulas no banheiro. A desgraçada da barata era tão grande que, por um momento, tive até pena de matá-la. Achei que seria crime ambiental. Também não sabia se apenas um chinelo seria suficiente para dar cabo de sua vida. Mas, como não havia outra escolha, lá fui eu. A sorte é que a bicha era burra e ficou bem pertinho de mim. É agora!!! (prlustch!!! — som de barata sendo esmagada... eca!!). Depois do "assassinato", joguei o cadáver para o lado de fora e dormimos em paz.

OS PENTELHOS
Num dos dias, uma desgaça de uma família de semi-vândalos apareceu por lá. Olha, tinha mais criança do que orfanato. O pior é que a mãe de uma delas era, com a perdão da palavra, uma ... imbecil. A porra da mulher não parava de gritar. Enquanto os filhos estavam bagunçando lá na puta que pariu ela tentava se comunicar com eles sem tirar o rabo gordo (e era gordo mesmo) da cadeira. Ou seja, berrava feito uma louca. "Fulano, não faz isso! Beltrano, toma conta do seu irmão!" O que é pior: a zona era na porta do nosso quarto, pois toda a família Buscapé achou de alojar-se bem na nossa varanda. Um dos moleques era a encarnação do capeta. Ele chegou na piscina e acabou com a paz no local. O safado gritava tanto que me impediu de continuar a leitura do meu livro. Nem os avisos do dono da pousada para que a molecada "gritasse baixo" surtiram efeito. Mas, deixa pra lá. Ainda bem que a referida família não dormiu por lá.

O SABOR DA FAROFA
Essa, eu não posso deixar de contar. Fomos almoçar num dos dias e, quando fui fazer meu prato, coloquei dentro dele tudo aquilo o que a minha fome ordenava. Arroz integral, salada, abóbora, uma torta que não sei definir e feijão. Aí, quando estou indo pra mesa, vejo uma farofinha linda. Amarela e soltinha como as melhores farofas da Dinamarca (se é que na Dinamarca se come farofa...). Achei estranho ela estar afastada dos demais pratos, mas não me fiz de rogado e acrescentei umas generosas colheradas da bendita farofa ao meu prato. Pra ser mais preciso, por cima do feijão, claro. Sentei-me, já com água na boca, passei o garfo pelo feijão coberto de farofa e enfiei-lhe na boca. Ô - ô. Huuuummm. Alguma coisa estava errada. "Que porra é essa? Tem alguma coisa doce aqui!", reclamei pra Vivi e para a mãe dela. "Acho que é essa farofa aqui", completei. Nisso, a Vivi estica o olho pro meu prato e, surpresa, diz: "Wagner, isso não é farofa. É açúcar mascavo!!!".
Chega. Tchau

5 comentários:

Anônimo disse...

Não que eu tenha feito nada demais, mas passar o Carnaval com a sogra, comendo alface todos os dias, e sem bebida bebida alcóolica.... Parabéns, você é um herói! (rs)
Um abraço, Jesuan

Anônimo disse...

Vavá, nesses poucos meses que nos conhecemos já achava vc um cabeça de côco da pesti arretado, de dá nó em pingo d'água. Agora sei do fundo do meu coração que tu é meu "ídalo" número um. Esse sim é cabra da peste macho cearense de "bolas grande" e cabeça também diga-se de passagem. Passar o carnaval cumendo grama e sem beber um cervejinha e ainda levar a sogra com a tal da "puddle" TU TÁ LOUCO DOS MIOLOS CUMPADI?
Um abraço grande do seu amigo carioca, Hélio Nogueira

Anônimo disse...

Vcs são umas graças viu...
Hahahahaha
Bjo,
Lu.

Anônimo disse...

Meu querido, que bom que vcs gostaram da pousada. Mais uma prova que se pode sobreviver sem uma cervejinha... vamos ver se nos organizamos para voltarmos lá na Páscoa, mas é claro que da próxima vez vamos levar um isopor camuflado, com bastante cerveja e chocolate...
Só um breve comentário: confundir farofa com açúcar mascavo é demais, né meu amigo!!!
beijinhos,Jane

Anônimo disse...

Muito bom!!!
Tava com saudade de ler suas aventuras... Já estou de volta, viu?
Beijos.
Ana Laura