quinta-feira, fevereiro 10, 2005

A águia maneta e o coração dilacerado

Pessoal, não sou carioca, morei pouco tempo no Rio de Janeiro mas tenho na Cidade Maravilhosa uma das maiores paixões da minha vida: a escola-de-samba Portela. Não sei explicar muito bem as origens e as razões dessa paixão. Aliás, paixão não tem razão. Apaixona-se e pronto, tem-se o coração arrebatado e manda-se qualquer vestígio de racionalidade pro quinto dos infernos. Mas tenho uma vaga idéia, pelo menos, de quando essa paixão teve início.
O ano era 1984 e eu ainda nem havia completado dez anos de idade quando vi, pela TV, a Portela dividir com a Mangueira o título de campeã do carnaval que inaugurara o Sambódromo. O fascínio da imagem daquela águia na avenida tomou conta de mim. De lá pra cá, jamais deixei de assistir a um só desfile da minha azul-e-branco, decoro os seus sambas-enredo e xingo todos os jurados que atribuem à Portela notas inferiores a dez — não interessa a justificativa!
Pois bem, vocês devem imaginar a minha frustração e revolta por causa da tragédia em que o desfile da minha escola se transformou este ano, né?
Fiquei acordado até a madrugada para vê-la desfilar. Comecei a suar frio quando o repórter falou que os integrantes da escola não estavam conseguindo colocar uma das asas da águia. E o pior é que a outra asa ainda estava no chão! Achei que o problema seria rapidamente resolvido e que logo logo a águia estaria pronta, linda e prateada para entrar na avenida. Meu desespero aumentou quando a notícia foi exatamente oposta. A águia, coitada, entrou maneta (ou seria "aseta"?) na avenida.
Aquilo, para quem é portelense, foi uma punhalada. O portelense espera o ano inteiro para sentir o arrepio na espinha que a águia da azul-e-branco causa ao surgir. É algo indescritível, mesmo para quem só a vê pela televisão. A águia não é só o símbolo máximo da escola. Ela carrega em seu corpo (e em suas asas, claro) a esperança do fim de um jejum de títulos que dura vinte amargos anos. Isso se não levarmos em conta que a última vitória isolada da Portela ocorreu há trinta anos, quando eu ainda estava na barriga de dona Sueli.
Fiquei com o coração partido. Torci, sem a menor chance de dar certo, que os jurados encarassem aquela figura mutilada como uma inovação da escola. Um traço de irreverência, um arroubo de ousadia. Claro que era loucura minha.
Mas o que já estava ruim ficou simplesmente pavoroso. Aquela confusão que deixou de fora os integrantes da Velha Guarda da Portela (sim, com maiúsculas) esfarelou os corações portelenses. Foi demais. Muita tristeza para um momento que é aguardado por mais de 365 dias. Sangrei e chorei por dentro. O temor de a escola cair para o grupo de acesso só se desfez quando a Tradição (que é filha da Portela) conseguiu notas ainda piores e, infelizmente para os seus amantes, foi encaminhada à segundona.
Há muito tempo acho que a Portela precisava de uma sacudida para sair da inércia em que se encontra. Espero que o susto sirva de lição.

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