Acho que há coisas no mundo que realmente não nasceram para coexistir na mais plácida e inalterável harmonia. Eu e os computadores somos um dos exemplos mais evidentes dessa constatação. Ok, também não chego a ser o caso mais claro e cristalino do "analfabeto digital" — termo mais que em voga nesses tempos em que a internet é usada até mesmo para nos comunicarmos com os nossos neurônios. Mas é inegável que entre o Wagner e essas máquinas sabichonas existe um clima de animosidade latente, crescente e demente. Vez por outra nos desentendemos, brigamos, nos chingamos, nos agredimos e deixamos de nos falar. O triste é que sempre sou eu quem sai perdendo...
Desconfio que essa certa antipatia nasceu em 1989, quando, ainda adolescente, passei a ter contatos quase diários com computadores, durante as aulas de informática do Colégio Objetivo, em Natal. Não via sentido naquilo. Íamos para as aulas para ouvir o professor nos explicar como fazer a "tartaruguinha" se mover pra cá, se mover pra lá... (a "tartaruguinha" em questão é o que hoje chamamos de cursor). Todas as aulas eram a mesma coisa. O lance era extremamente fácil mas insuportavelmente irritante. Minha vontade era de (que me perdoe o pessoal do Projeto Tamar) mandar a porra "tartaruguinha" pra puta que pariu!!!
Um ou dois anos depois, eis que meu irmão mais velho chega em casa com um "computador". Era um Apple não-sei-o-que. Também não sei pra que aquele bicho servia. Foram dias e mais dias de casa repleta de amigos do meu irmão tentando conectar aquela geringonça à televisão. Coitados. Nada mais conseguiram do que esboçar na tela listras e traços esquisitos que, na melhor das hipóteses, significavam que a porcaria pelo menos não estava queimada.
Em 1995, já na faculdade, fui sorteado para um curso de informática no centro da cidade. Sem grandes entusiasmos, mas com boa vontade em descobrir o que era aquilo que tanto fascinava o mundo inteiro (ainda mais por causa de algo chamado de Internet), decidi aceitar o convite. Mas as aulas eram novamente sacais. Nada complicado, mas apenas uns comandos que não conseguiam me convencer de que computadores teriam alguma utilidade na minha vida prática. Nas três avaliações do curso, terei nota dez. Mas, perguntem o que foi que eu aprendi que me serviu para os dias de hoje... nothing at all! Aliás, a única coisa que fiquei sabendo, e hoje gabo-me, é que o primeiro computador de que se tem notícia era um chamado de Eniac - e funcionava graças ao auxílio de válvulas. Ponto.
Na faculdade, os trabalhos ainda podiam ser feitos nas velhas máquinas de datilografia — ainda mais porque os computadores ainda não haviam chegado à redação do curso de jornalismo da UFRN — mas já começava a me sentir incomodado por não seguir a onda que atingia a todos.
Mas eis que dona Sueli, minha mãe, comprou um computador. "Agora", pensei, "a coisa vai!" Era um tal de Pentium, nome que eu, mesmo sem saber o que queria dizer exatamente, repetia nas rodas de conversa sempre que o tema descambava para a informática. Afinal, não queria ficar de fora. Que nada! Bastavam duas ou três perguntas para fazer desmoronar todo o meu "conhecimento". Ficava puto porque todo mundo me perguntava coisas dificílimas e sobre as quais eu não fazia a menor idéia. Uma vez me perguntaram quanto de "rã" o computador tinha. "Rã?" Me desesperei. "Será, meu Deus, que quem tem computador ganha sapos de brinde? Ou será que precisa montar um ranário?" "Me fodi!", pensava, enquanto tentava elaborar uma resposta — ou uma mentira. Outra pergunta cretina era sobre um tal de formatar. "Como assim formatar?", eu perguntava, sem fazer idéia do que isso significava (algo que, alías, desconheço até hoje). Uma dúvida atroz perturbava a minha mente: "Por que as pessoas não perguntam nada mais fácil, como, por exemplo, a cor do computador?". Taí uma coisa linda! Seria tão mais agradável... Já imagino, inclusive, as discussões metafísicas que poderíamos travar a respeito da importância das cores nesse mundo individualista etc e tal.
O mais cômico (para uns, pois pra mim foi trágico) foi quando, no bendito Pentium, escrevi um texto enorme — uma matéria que iria enviar de casa para o jornal no qual trabalhava — e, num vacilo qualquer, apaguei tudo o que acabara de escrever. Ah, você também já passou por essa situação, né? Não é de desesperar? Pois bem. Chamei, acho que com lágrimas nos olhos, o meu irmão (aquele mesmo, do Apple!). Ele olhou a merda que fiz e perguntou: "Você não salvou a matéria, Wagner?" Ao que eu respondi: "Salvar a matéria? E ela estava em apuros?! Quem precisa ser salvo sou eu se não conseguir recuperar tudo o que escrevi!" Não teve jeito. Perdi a porra do texto e, conseqüentemente, mais algumas horas para escrever tudo de novo... Saco!
Os anos foram passando e eu, claro, fui aprendendo mais um pouquinho (bem pouquinho mesmo) sobre computadores. Quando acho que sei muito, ouço pesssoas ao meu redor (não raramente com metade da minha idade) falando coisas complicadíssimas — lindas, pra ser sincero! — e percebo que, assim como Sócrates, só sei que nada sei. É um tal de HTML pra cá, não sei quantos gigas pra lá, moden não-sei-o-que, memória não-sei-o-que-lá... Fico embasbacado — e morto de inveja.
Mas nada me irrita tanto quanto o linguajar da informática. O primeiro absurdo é com o tal do "salvar". Se bem que, levando-se em consideração o desespero pelo qual passei, acho até que o termo é adequado. Na esteira das mudanças que os computadores estão promovendo, as pessoas passaram a falar e, principalmente, a escrever, de maneira esquisitíssima. Nem vou me referir às abreviações e códigos usados nas trocas de mensagens via e-mail, salas de bate-papo e afins. Me refiro, isso sim, a termos como "inicializar". Caraca! Quando ouvi isso me desesperei. Pediram para eu "inicializar" o computador. Que bosta é essa? uma derivação vagabunda de iniciar? Por que, então, não dizer iniciar mesmo? Já imaginou uma partida de futebol em que o narrador fala: "O jogo vai ser inicializado dentro de cinco minutos..." Ou um casal de apaixonados pombinhos dizendo: "Nós inicializamos nosso namoro em 1837..."
E o "deletar"?! Esse dói. O termo fica num limbo entre tradução literal do inglês e adaptação mal feita de um vernáculo da língua de Shakespeare para a de Camões. Outro que faz arder os tímpanos é o tal do "resetar". Amigo leitor, a primeira vez que ouvi essa determinação, dada pelo suporte técnico do jornal, pensei que ele estava pedindo para eu dar um chute no computador que acabara de dar uma pane. Outras expressões ultrapassam os limites da paciência. "Logar" e "logoutear" são duas delas. Poucas coisas na Terra são tão repulsivas!
Mas confesso que ainda tem mais. A linguagem de informática realmente me irrita quando, por algum problema na máquina, surgem, na tela do computador, mensagens completamente sem sentido — pelo menos pra mim. O cara (ou seja, o computador) faz perguntas e dá opções que era melhor nem fazer, tamanha é a minha ignorância em relação a elas. A safadesa é do tipo: "houve um erro irrecuperável no arquivo tal e tal..." Nessas horas, penso, apavorado: "Meu Deus, destrambelhei toda a rede de informática do local onde trabalho e serei demitido por justa causa". Mais grave ainda: "este programa executou uma operação ilegal e será fechado..." "Danou-se", penso. "A essas alturas, a Polícia Federal e o FBI estão à minha procura". As mensagens pedem para que tomemos atitudes que não faço a menor idéia do que se trata. Depois disso, ainda têm a cara de pau de perguntar: "tem certeza de que deseja..." Aí, perco o controle. "Porra, não tenho certeza de nada, computador desgraçado, filho do Satã e enteado de Medusa. Só quero é que essa bosta seja resolvida para poder voltar a trabalhar", é o escândalo que ensaio. E, quando você decide desligar a máquina, ainda vem mais cinismo: "tem certeza de que deseja desligar o computador?" "Não, animal, tenho uma dúvida imensa sobre isso, afinal, apertei a opção "desligar" só por diversão!!!!", dá vontade de berrar.
Tenho milhares de histórias tragicômicas dessa relação esquizofrênica e doentia que mantenho com essas máquinas que tornaram Bill Gates o bilionário que ele é hoje em dia. Teria de criar um site inteirinho só para narrá-las. Ah, por falar em site, também já passei por horrores na Internet. Pra falar a verdade, se me perguntarem qual a diferença entre site e homepage, por exemplo, ficarei mudo, gelado, impávido e aterrorizado. Nem me pergunte, por favor, por que decidi criar um blog, já que tenho tantas amarguras para com a informática. Nem eu sei ao certo. Além da vontade alucinante que sinto de escrever, acho que, no fundo, tenho a esperança de um dia me entender com os computadores. Enquanto isso não acontece e não fumamos definitivamente o cachimbo da paz, vou "inicializando" o computador, "salvando" os meus textos, "deletando" os erros, "resetando" a máquina quando algo der errado e respondendo que sim, tenho certeza de que quero desligar o computador.
terça-feira, outubro 19, 2004
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