quarta-feira, junho 24, 2015

Il faisait beau



O dia precisava estar bonito. As chuvas que há semanas frequentavam quase diariamente a cidade hoje desapareceram. E em seu lugar, um sol decidido e um céu azul que não deixavam dúvidas: o dia precisa ser bonito. A brisa modesta mas constante arrastava pelas calçadas sinuosas as folhas que anteciparam sua queda, num verão ainda recém-iniciado. Simbolizavam que o calor estaria na medida para um bom passeio: nem intenso, nem ausente. Era, portanto, o cenário ideal para tirá-lo de casa, afastá-lo dos livros e estimulá-lo a ver gente, movimento, abraçar-se de novidades e de sensações; de cheiros e de surpresas; de encantos e de descobertas em uma cidade que ainda lhe tem tanto a oferecer. 

Diante de tantos apelos, optou por não resistir. Sim, havia de ser um dia bom, um dia feliz.
Mas não foi.

O dia precisava estar bonito porque a notícia que lhe chegara era das piores. Fosse um dia nublado, melancólico e introspectivo, o convite à depressão se instalaria de forma imediata, avassaladora, sem pedir licença e ocupando todos os espaços.

O dia precisava estar bonito para confortá-lo, na medida do possível, perante o impacto da má-nova, dessas que surpreendem e maltratam, que atordoam e que, acima de tudo, revoltam.

O dia precisava estar bonito para permitir a ele ver o horizonte, em busca, ainda que mentalmente quixotesca, de uma esperança (quando essa parece ter decididamente abandonado a jornada).

O dia precisava estar bonito para fazê-lo suportar estar distante da amiga tão querida que recebe o atestado de um câncer em metástase.


E o dia que queria ser bonito nem deveria ter nascido...

Um comentário:

Claudia Bittencourt disse...

Tempos que não passava por aqui.
Que texto lindo, surpreendente e triste.
Força.

Beijo enorme.