O dia precisava estar bonito. As chuvas que há semanas
frequentavam quase diariamente a cidade hoje desapareceram. E em seu lugar, um
sol decidido e um céu azul que não deixavam dúvidas: o dia precisa ser bonito.
A brisa modesta mas constante arrastava pelas calçadas sinuosas as folhas que
anteciparam sua queda, num verão ainda recém-iniciado. Simbolizavam que o calor
estaria na medida para um bom passeio: nem intenso, nem ausente. Era, portanto,
o cenário ideal para tirá-lo de casa, afastá-lo dos livros e estimulá-lo a ver
gente, movimento, abraçar-se de novidades e de sensações; de cheiros e de surpresas;
de encantos e de descobertas em uma cidade que ainda lhe tem tanto a
oferecer.
Diante de tantos apelos, optou por não resistir. Sim, havia
de ser um dia bom, um dia feliz.
Mas não foi.
O dia precisava estar bonito porque a notícia que lhe
chegara era das piores. Fosse um dia nublado, melancólico e introspectivo, o
convite à depressão se instalaria de forma imediata, avassaladora, sem pedir
licença e ocupando todos os espaços.
O dia precisava estar bonito para confortá-lo, na medida do
possível, perante o impacto da má-nova, dessas que surpreendem e maltratam, que
atordoam e que, acima de tudo, revoltam.
O dia precisava estar bonito para permitir a ele ver o
horizonte, em busca, ainda que mentalmente quixotesca, de uma esperança (quando
essa parece ter decididamente abandonado a jornada).
O dia precisava estar bonito para fazê-lo suportar estar distante
da amiga tão querida que recebe o atestado de um câncer em metástase.
E o dia que queria ser bonito nem deveria ter nascido...
Um comentário:
Tempos que não passava por aqui.
Que texto lindo, surpreendente e triste.
Força.
Beijo enorme.
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