Agachou-se rapidamente e agarrou o exemplar espesso, cujos
inúmeros cadernos eram impiedosamente descartados ao chão para que ele
encontrasse logo aquele que lhe interessava: o caderno de cultura.
Uma mistura de sensações o atingiu quando viu, estampada na
capa da editoria, sua foto em meia página. Tanto o título quanto a apresentação
da entrevista, concedida após a premiação como escritor revelação do ano, lhe
eram elogiosos.
Saíra bonito na foto. Pelo menos foi o que achou.
Parcialmente sentado à ponta da mesa, foi fotografado de corpo inteiro, segurando
o livro que o consagrara. Calça jeans e camisa xadrez aberta, por baixo da qual
deixara aparecer a camiseta branca de que tanto gostava. O rosto estava
expresso sem disfarces, captado sob um ângulo que favorecia aqueles que
considerava seus traços mais marcantes: cabelos fartos, com têmporas levemente
grisalhas; olhar sério, e misterioso, por trás dos óculos de armação de cor
clara; queixo quadrado, cuja barba por fazer conferia-lhe um ar de desleixo
programado, e um sorriso que, embora não estivesse manifesto na foto, aparecia
lá, de alguma maneira – desafiando a interpretação do leitor.
Mas, sem entender exatamente por quê, deteve-se numa frase
em particular do texto que o descrevia. O autor da entrevista escrevera que o
escritor “desponta no universo literário com o impacto que as gerações
contemporâneas de leitores acostumaram-se a ver apenas na ficção. Afinal,
saltou do anonimato para a consagração com apenas uma obra publicada e em um
período da vida em que diversos escritores já colecionam alguns títulos: a meia
idade (...)”.
Meia idade. Meia idade... Meia idade? Repetiu e deu tom de indagação
várias vezes à expressão, como se não a compreendesse ou não a aceitasse. Era,
afinal, um termo que se acostumara a ouvir ao longo da vida, mas com o qual
jamais pensou em efetivamente conviver. Meia idade, ele? Não poderia ser. Para
ele, o termo só fazia sentido quando aplicado àqueles resignados com o passar
do tempo ou cuja vitalidade inquestionavelmente os abandonara.
Mas não a ele, que não desagarrara-se da sensação da
juventude. Os 43 anos de vida que agora ostentava eram, para ele, tão naturais
(e vigorosos) quanto quaisquer 20 anos exibidos por universitários recém-chegados
à fase adulta da vida.
Negara para si mesmo que o tempo também passara para ele,
ou simplesmente não se deu conta da velocidade com que os anos se vão? Esta
dúvida o atordoou por infinitos minutos. Lembrou das diferentes percepções de
tempo que o avançar da idade produz. Não há criança, ou mesmo adolescente, que
não considere uma pessoa de 30 anos praticamente um velho. E não há pessoa de
30 anos que não se sinta ao mesmo tempo desesperada por ter abandonado a
efervescente faixa dos 20, e aliviada por ainda não ter atingido a dos 40.
Mas, para ele, o avançar da idade dava elasticidade a sua
concepção de velhice. Já não considerava mais ancião aquele cidadão de 60 anos,
idade da qual apenas 17 anos agora o separavam. Por isso, a expressão meia
idade o incomodou menos do que o surpreendeu.
O que significaria, afinal, a meia idade? Uma meia vida? É
isso? Teria já chegado (ou ultrapassado) a metade de sua existência? Esta ideia
sim, o perturbou, tendo em vista que a infância e a juventude são vividas em
estado de transe, de não-consciência, e, por isso, não permitem seu pleno
aproveitamento, ou o seu aproveitamento consciente. Quando se é jovem, apenas
vive-se como se o acúmulo dos anos só se expressasse e pesasse para os outros,
não para si próprio. A ideia de avanço da idade, quando se é jovem, é tão
distante quanto a longevidade que se espera atingir. O jovem acredita que o
velho já nasceu assim e não consegue assimilar a informação de que o tempo
passa numa velocidade acima da capacidade humana de acompanha-lo.
Sentiu-se ofendido pelo uso da expressão meia idade. Não
pelo jornalista que a utilizou, mas por ele mesmo. Como pôde não ter percebido
que, sim, aquela expressão aplicava-se a ele inclusive em aspectos
demográficos, uma vez que a expectativa de vida está lá, friamente
estabelecida?
Desestimulou-se, temporariamente, em ler a matéria sobre
seus méritos literários. Precisava, agora, planejar alguma forma de viver a
outra metade restante de sua vida.
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