quinta-feira, março 10, 2005

Quem morre com a Dona Benta?

As gerações mais novas que a minha talvez não entendam. As mais velhas, talvez apenas suspeitem. Mas todos aqueles que agora estão na faixa dos trinta, como eu, certamente recordaram hoje, ainda que por fulminantes segundos, os mais saborosos momentos de sua infância com a notícia da morte de Zilka Salaberry, aos 87 anos. Foi-se a Zilka, que levou consigo a Dona Benta, que por sua vez carregou pro mundo de lá os últimos vestígios da fantástica e inesgotável capacidade de sonhar de quem foi criança há duas décadas.
Vem fácil a lembrança da felicidade que a voz do hoje ministro causava ao entoar o seu “marmelada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo ...” Mais fácil ainda vem a saudade... ê, saudade: bicho que maltrata e encanta, que solidifica e corrói, que sacia e desapercebe.
Acredito que toda infância, à exceção daquela que os adultos se encarregam de corromper, é mágica por si só. Mas há elementos que ajudam a enriquece-la. Algo que não se compra. Se sente. É aquela sensação de voar mesmo estando com os pés no chão. Não há criança que não sonhe. E não há criança que, mesmo em sonho, não materialize, numa realidade muito particular, os seus mais incríveis desejos. Era isso que a Zilka Salaberry nos dava com sua Dona Benta, criação abençoada de Monteiro Lobato, que estará eternamente associada à imagem dela.
A figura de Dona Benta era sempre protetora, mesmo quando o Minotauro estava à espreita, querendo carregar pro seu labirinto, na ilha de Creta, Pedrinho, Narizinho e até eu e meus irmãos, que nos cobríamos, apavorados, a cada aparição do monstro. Dona Benta era, sobretudo, uma mestra. Sabia de tudo um pouco e despertava na molecada a curiosidade de aprender sobre o mundo no qual estávamos começando a caminhar.
Dentre as reportagens que li, ouvi e assisti sobre a morte da atriz, uma trouxe a mais simples e mais precisa verdade: Dona Benta era a avó que todos gostariam de ter. Fomos e seremos sempre seus netos. Em cada uma das minhas avós, encontro traços de Dona Benta. Aquela que perdi três dias antes de 2005 começar, minha avó paterna, tinha a mesma doçura e paciência da “Dona Coisa”, como o Saci chamava a Dona Benta, ou “Sinhá”, como a tratava o Tio Barnabé. A minha avó materna, que graças a Deus está firme e forte por aqui, tem, entre os vários dons de Dona Benta, a alegria e a sabedoria da vovó do Sítio.
Lamento que as crianças de hoje não tenham a mesma oportunidade que tive de assistir àquele Sítio do Pica Pau Amarelo, ainda distante da modernidade, da internet e, claro, da violência que cerceou o direito dessas mesmas crianças de brincar a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas não vou falar disso de novo. Só quis mesmo foi (tentar) registrar o breve mas intenso vazio que a morte de Dona Benta, a minha Dona Benta, fez surgir debaixo dos meus pés de criança.

Um comentário:

Anônimo disse...

Wagner, sinto o mesmo. Só não fiquei mais reflexiva porque já tive esse momento muitos meses antes. Ela era vizinha da minha mãe, em Copa. Num sábado ou domingo de manhã a vi sair de casa acompanhada de uma enfermeira. Nossa! Nem de longe parecia aquela Dona Benta vívida do Sítio. Mal conseguia entrar no carro de tão trêmula e fraca...Mas prefiro guardar os bons momentos. Tempos em que representei Emília no colégio; que chegava da escola e, enquanto minha mãe preparava o almoço, trocava de roupa correndo para cair na piscina; que a Sessão da Tarde era um maior barato e meu único compromisso era fazer o trabalho que a "tia" passava. Ô, saudosismo! Vivi.