A política no meu estado do coração, o Rio Grande do Norte, é manipulada pelas forças sobrenaturais de espectros que não aceitam a idéia de que, pelo menos do plano da política salutar, já estão desencarnados há milênios. O mais grave não é a teimosia deles em permanecer atuando no cenário potiguar, mas o temor da população em ver-se livre desses mal-assombros.
A recente corrida pela prefeitura de Natal, ensolarada capital do Estado, é a prova disso. O segundo turno, que acompanho de longe, é um trem-fantasma disneylandiano. Não somente pela horripilante presença do candidato Luiz Almir, um deputado estadual peessedebista, metido a apresentador de TV, e tão fingido quanto Gugu Liberato, tão chato quanto Faustão e tão imbecil quanto Galvão Bueno. Pior: tão oco quanto Adriane Galisteu, tão burro quanto Luciana Gimenez e tão espalhafatoso quanto Hebe Camargo.
Aos que nunca o viram (e que certamente nada perderam), o referido deputado apresentava um programa de TV numa emissora local em que se passava por paladino dos fracos, oprimidos e deprimidos. Por trás de uma bancada sobre a qual ostentava a imagem de Santa Clara (tida como padroeira da televisão), o poltergeist distribuía impropérios das mais variadas naturezas e dos mais questionáveis gosto e legitimidade. Não é preciso dizer que os alvos da retórica chinfrim do deputado variavam de acordo com as suas conveniências políticas. A exceção talvez fosse o apresentador de uma emissora concorrente com o qual Luiz Almir trocava, entre outras “acusações”, a de escandalosas performances homossexuais protagonizadas em guetos barra-pesada do submundo natalense.
Bem, não vale a pena tecer outros comentários sobre a atuação televisiva do candidato. O maior agouro que a sua candidatura representa é a fusão, asquerosa e repugnante, das duas maiores, mais tradicionais e oligárquicas forças políticas do Rio Grande do Norte. O retrocesso que isso representa é tão grande que não se deve avaliar a fusão pelo prisma dos partidos que agora se unem, mas sim pelo dos grupos que estão envolvidos na questão: as famílias Alves e Maia. É, de fato, uma infelicidade, mas a política na terra do folclorista Câmara Cascudo ainda é, sim, comandada por esses dois clãs. O primeiro representa o PMDB e o segundo, o PFL. De arrepiar, né?
O detalhe mais espantoso dessa união é que ela acontece pela primeira vez em muitas décadas recheadas de trocas de acusações, bate-boca e conspirações de lado a lado. Como escrevi há quase dez anos, ainda na época da faculdade (link), o período eleitoral no Rio Grande do Norte, assim como em demais recantos do Brasil, é repleto de surpresas (desagradáveis, claro) trazidas pelas oportunistas coligações eleitoreiras.
Algum psicopata pode até tentar me convencer de que a política potiguar está mudando, baseando-se no fato de que a governadora do RN e o prefeito de Natal (ambos do PSB) não estão ligados a nenhum dos dois grupos dominantes. Bull shit!!! O argumento é a mais redonda e desgastada estupidez. Ambos os citados podem não estar – no momento, diga-se – oficialmente ligados a tais grupos. Mas são cria deles e a eles, de acordo com o vento que sopra, lhes prestam reverência.
A governadora Wilma de Faria, como se sabe, foi trazida ao mundo político pelo braço forte da família Maia, à qual era agregada pelos laços do matrimônio que tinha atados com o ex-governador e atual deputado federal, Lavoisier Maia. Divorciou-se dele, virou solteira-alegre, casou com outro, separou-se novo, girou o mundo político, foi prefeita três vezes, mas nunca se dissociou definitivamente das bênçãos das oligarquias locais.
Durante a maior parte do tempo, ela esteve ligada aos Maia, ainda que divorciada daquele que a introduziu no universo dos palanques. Mas a força centrífuga provocada pelas voltas que o mundo dá a levaram à outra extremidade da política potiguar, ou seja, ao reduto dos Alves. Por mais esdrúxula que tal aliança pudesse parecer, ela durou um tempo significativo e, vez por outra, fica na iminência de ser ressuscitada.
Sobre o atual prefeito, Carlos Eduardo Alves, que disputa o segundo turno contra Luiz Almir, o sobrenome fala por si. Filho do ex-prefeito de Natal e atual prefeito (por duas vezes) de Parnamirim, Agnelo Alves, ele ainda é sobrinho do maior baluarte da política potiguar, Aluízio Alves – que já foi de tudo, até ministro por duas vezes. É, ainda, primo do ex-governador (também por duas vezes) e ex-prefeito de Natal, Garibaldi Alves Filho, e do eterno deputado federal, Henrique Eduardo Alves. Diz estar rompido “politicamente” com a patota. Por enquanto. Por mais que tente, o prefeito jamais conseguirá se livrar da maldição de pertencer a tal grupo. Ainda mais pelo fato de a sua tímida projeção política obrigá-lo, num futuro relativamente próximo, a não se afastar muito do berço em que nasceu. É a lei da auto-preservação política.
Ah, mas como posso me esquecer do chamado “fenômeno” Miguel Mossoró?! Ele não é ligado a nenhum dos referidos grupos hegemônicos da política norte riograndense e conseguiu, no primeiro turno das eleições, uma votação expressiva, surpreendente mesmo. Ficou em terceiro lugar, superando a soma dos votos dados a concorrentes de relativa expressão política, como Ney Lopes (PFL) e Fátima Bezerra (PT).
Imagino o pipocar de teorias – das mais elaboradas às mais estapafúrdias – que tentaram explicar como um ensandecido que prometia construir uma ponte ligando Natal a Fernando de Noronha, com recursos cedidos pelo panaca do George W. Bush, conseguiu angariar tantos simpatizantes. Tem mais. O biruta defendia a construção das Torres Gêmeas de Natal, a instalação de um bondinho no Morro do Careca e outras patifarias típicas de quem sofre de esclerose e esquizofrenia ao mesmo tempo. Para finalizar, se dizia o salvador das prostitutas indefesas das orlas natalenses contra os gringos do mal. Nada mais do que um surto xenofóbico de quem não tem o que dizer mas que sempre encontra alguém com disposição para ouvir.
Espalhou-se a recorrente teoria de que o sucesso do candidato do PTC era o “voto de protesto”. Com o perdão da palavra, protesto porra nenhuma! Essa é mais uma baboseira de mesa “butiquim”. Protesto, em especial na seara política, é decorrente de um mínimo de lucidez, bom senso e espírito de coletividade – artigos escassos nas prateleiras do Brasil. A votação para Miguel Mossoró (assim com as suas propostas) foi resultado de um despreparo total de uma população que, mesmo acostumada a apanhar dos mesmos capitães-do-mato, não faz questão de mudar o rumo das coisas. Mas que, quando se depara com um tresloucado qualquer, acha graça e crê que um maluco pode dar jeito na situação. (só se for a situação da casa de quem pensa assim...).
Portanto, caso alguém ainda sustente a mais tênue das ilusões de que a política no Rio Grande do Norte está deixando os feudos dos Alves e Maia, ou que vive algum processo de evolução qualitativa, é bom tomar cuidado antes de proferir tal pensamento em público. O risco de sofrer uma descompostura é grande. O ideal, quem sabe, é chamar um exorcista. Vade retro!
sexta-feira, outubro 15, 2004
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