domingo, dezembro 09, 2012

Corrosões parciais


Não havia mais espaço para carinho. Não depois de 47 anos de casamento, pensou ela, acreditando profundamente que a criação dos 4 filhos, as muitas casas que montaram, e todos os problemas que superaram corroeram definitivamente qualquer chance de trocas de afeto. Nem mesmo agora, momento colossal de dor, quando a morte resolve carregar alguém tão próximo a ela. 

Ali, no salão em que o velório se desenrolava, a presença dos dois, lado a lado, era muito mais o cumprimento de uma convenção (algo meramente protocolar) do que o compartilhamento de uma dor que atinge de forma dilacerante a um mais do que a outro. Mas aí, para sua surpresa, ele discretamente segurou sua mão, mesmo sem que ninguém notasse. 

E, sem se preocupar com o que poderiam pensar, levou-a a sua boca e a beijou, demorada e delicadamente. Ainda que sem olha-la nos olhos, aproximou-se de seu rosto e disse, ao seu ouvido: “Eu estou aqui. Eu estou com você. E para sempre”. Foi então que ela percebeu que poderia até não haver mais espaço para o carinho. Mas sempre haveria espaço para o verdadeiro amor.

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