quarta-feira, fevereiro 21, 2007

O peso e a idade (e o peso da idade)

Todos os anos, quando apenas alguns meses separam-me do dia do meu aniversário, costumo dar uma pequena refletida a respeito da idade que (ainda) tenho e da que em breve terei. Desta vez, a reflexão veio um pouco mais radical. Não que eu tema chegar à idade de Cristo (só espero é não morrer agora, e muito menos como ele...), afinal, já me conformei (ou venho tentando me conformar) com a despedida da juventude.

A radicalidade da reflexão sobre a nova idade se deu neste feriado de carnaval, mais exatamente quando, entre os muitos dias de chuva que marcaram o nosso período momesmo, resolvemos jogar uma pelada no hotel em que nos hospedamos.

Juntei uma pequena turma de maridos momentaneamente liberados por suas esposas e, com o cara da recepção, fomos ao campo do hotel. Para ser sincero, a partida seria de vôlei, mas por motivos de força maior (a bola sumiu, juntamente com o mastro para armar a rede), o jeito foi arriscar um "soccer".

A faixa etária dos jogadores era a mais variada possível. Havia desde dois adolescentes com não mais de 17 anos, até um coroa já beirando os 60 (se é que ainda não os atingiu). Divididos em dois times (três de um lado e quatro, de outro) iniciamos a partida. Eu (32), Rogério (42), Beto (20 e poucos), e Ronadinho (no máximo 16) formávamos o time que certamente estava fadado ao insucesso, pois, do outro lado, estavam o Narendra (20 e poucos), Júnior (no máximo 17) e "seu" Ênio (aquele com quase 60).

Bola rolando, empolgação nas alturas e começo a correr de um lado para o outro. Não tinha bola perdida, ou melhor, eu achava que não tinha. Meti-me a dar uma de atacante e me dei mal. Comecei a achar estranho quando os passes dos meus colegas não chegavam com presteza aos meus pés. Só depois é que percebi que meus pés é que não chegavam com presteza à bola. Os lançamentos que me eram feitos começaram a se transformar em frustração. Por mais que eu corresse, a bola sempre era mais rápida.

Claro que tive alguns bons momentos. Logo no começo do jogo, quase abro o placar com um belo gol, mas um desgraçado de um montinho de terra no gramado lançou pela tangente minha esperança de desvirginar a trave adversária.

Voltando ao sofrimento. Tenho plena consciência de minha falta de habilidade futebolística. Dribles desconcertantes e jogadas geniais definitivamente não fazem parte de meu repertório de artimanhas. Mas a velocidade sempre foi o meu forte nesse tipo de esporte. (Foi — nada como um verbo adequadamente empregado). Além de não conseguir alcançar os lançamentos dos colegas, tampouco conseguia marcar os adversários com competência. Puta merda, que raiva quando eu via o caneludo do Narendra dar três míseros passos para se distanciar de mim, que pedalava igual a louco para alcançá-lo.

Tinha um tal de Júnior, do time adversário, que foi o maior dos meus pesadelos naquele jogo. O moleque era o cão! Na verdade, apelidei-o de "Jason" (lembram do filme Sexta-Feira 13?). Aos que não entenderam, Jason era o assassino, que estava praticamente em todos os lugares, ao mesmo tempo, para destruir suas vítimas. O moleque era impossível. Magro como um sibite baleado, corria de um lado ao outro do campo sem esboçar o menor sinal de cansaço. Cada vez que alguém de nosso time aparecia com a bola, o moleque do mal estava lá para nos marcar e, na maioria das vezes, roubar-nos a redonda.

Certamente fui o mais burro da partida, pois, em vez de perceber qual era a do jogo, cismei em continuar atacando... quer dizer, tentando atacar. Mais espertos foram o Ênio e o Rogério. Cada um em seu campo, ambos mantiveram-se, na maior parte do tempo, na condição de zagueiros-goleiros. Desgastaram-se muito menos e, provavelmente, frustaram-se menos ainda.

Eu, com minha língua cerca de 30 centímetros fora da boca, já não agüentava mais, após uma hora de jogo, aquela pelada. Mesmo assim, não desistia. Continuava tentando buscar as bolas e driblar os adversários. Até que, perto do fim da partida, e com o meu time vencendo o jogo, corri feito um fugitivo para buscar uma bola lançada para mim. Como ela vinha à certa altura do chão, levantei a perna para dominá-la. Àquela velocidade, porém, eu estava quase voando. O problema é que, na direção oposta à minha, voava, sabe quem? Ele: o Jason! Ah, ô inferno pra ter cão! Pois não é que o moleque surgiu sabe lá Deus de onde para dividir a bola comigo?! Resultado: em pleno vôo, nosso joelhos é que se encontraram!

O choque foi inevitável e assutadoramente dolorido. Depois da colisão, continuamos a voar, só que, agora, em direções opostas às iniciais. Cada um arrebentado de um lado. O jogo parou. Ouvi apenas o barulho do vento soprando o matagal em que jogávamos. Juro que pensei em recitar o mantra que o mestre lá das aulas de yôga nos ensinara no hotel: "Baba nan kevalan" (ou algo parecido). Mas a dor do corpo superou o poder da mente.

A dor era absolutamente inacreditável, dilacerante. Achei que jamais voltaria a andar nesta vida. Com a perna dobrada, eu só conseguia esfregar o joelho esquerdo com a palma da mão direita. Acho que, mais do que aliviar a dor, a minha intenção era saber se ainda sentia a perna.

Puta que o pariu! Que dor do caralho! Porra! Puta merda! Desculpem-me, leitores, mas é impossível relembrar aquela dor sem associá-la a assustadoras seqüências de palavrões. Os outros jogadores até que vieram em nosso "socorro", perguntando se estávamos bem. Mas era inútil. Fiquei com pena do Jason, que, muito mais jovem que eu, se contorcia de dor a poucos metros de mim. Mas fiquei com mais pena ainda de mim que, bem mais velho que ele, me contorcia ainda mais. Não tive condições de continuar jogando. Ainda tentei ensaiar um regresso, mas a tentativa foi frustrada. Coube-me assistir ao resto da partida sentado ao lado da trave do meu time. O Jason, claro, conseguiu regressar ao jogo. Mas, pelo menos, tive a satisfação de ver o meu time vencer o dele!

Mas, no final, restou a constatação de que a idade, que na casa dos trinta parece avançar na velocidade da luz, aliada às calorias que se acumulam no meu eu, formam um combinação explosiva.

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