segunda-feira, setembro 05, 2005

Viagem a Foz do Iguaçu

Demorei a escrever, mas tenho certeza de que entenderão minhas razões. A primeira delas é que, no fim de semana retrasado, eu e a Vivi voltamos a praticar o nosso esporte favorito dos últimos dois anos: mudar de apartamento. É um saco, eu sei. Mas, levando-se em consideração que mudávamos de cidade, acho que agora estamos evoluindo. Só aqui em Brasília, onde estamos há um ano, essa foi a nossa terceira mudança. Mas acho que, agora, vamos sossegar. Tanto é que deixamos a cláusula de que o contrato de aluguel não poderá ser rescindindo antes de um ano. Portanto, antes desse intervalo de tempo, se Alá nos ajudar, ficaremos quietinhos. Mas o legal da mudança é que, além de estarmos num apartamento melhor, nos livramos da praga do Chicão, o vizinho cão, e o resto da mundiça que habitava o outro prédio. Outra coisa maravilhosa é que agora moro atrás do meu trabalho. Gasto exatos dois minutos e trinta segundos, a pé, do meu sacrossanto lar até a minha sala de trabalho.


Outra razão pela qual demorei a escrever é que, de fato, o trabalho tem me consumido muito tempo. Passei a semana passada em Foz do Iguaçu, trabalhando, e, amanhã, embarco para o Rio com a Vivi, onde emendaremos o feriado de Sete de Setembro — afinal, merecemos uma folga, né?
Bem, sobre a viagem a Foz, tenho muitas coisas a contar. Claro que muitos aborrecimentos que, agora, vão servir para diverti-los, pois são mais algumas daquelas trapalhadas que essas viagens me proporcionam. Dessa vez, pelo menos, não entrei no avião errado, como aconteceu em Cuiabá.
O primeiro problema foi em relação ao clima. Tenho por hábito checar detalhadamente a previsão da meteorologia para as cidades pra onde vou. Dessa vez, no entanto, vacilei — e me dei mal. Só fiz isso duas semanas antes de embarcar. O cara da agência de viagem havia me dito que o calor já havia chegado por lá e que eu nem precisava levar roupa de frio. O babaca aqui esqueceu de se atualizar e viajou assim, sem maiores cuidados — ou casacos. Na verdade, levei apenas um casaco, mesmo assim sem grandes esperanças de tirá-lo da mala. Dancei.
O vôo fez conexão no Rio de Janeiro, onde uma névoa seca tomava conta do cenário, deixando a sempre deslumbrante paisagem carioca praticamente invisível. O calor era insuportável: 39º graus, informou o piloto. Ok, como fiquei no ar-condicionado esperando o outro vôo, não tive maiores problemas. O problema veio depois de entrar no outro avião.


Pra começo de conversa, sentei na primeira fileira atrás da classe executiva. Fiquei, ou seja, cara-a-cara com as aeromoças. Além delas, que estavam trabalhando, outras duas comissárias de carona seguiam ao meu lado, conversando com as duas que serviam meu vôo. O papo delas, porém, não era nada animador. Em pleno estado de pânico por causa tanto pela passagem do furacão Katrina pelos Estados Unidos, onde fez estragos em Nova Orleans, o sul do País ainda estava apreensivo por causa do ciclone que aterrorizava Santa Catarina e adjacências.
As benditas comissárias iniciaram um relato assustador das experiências vividas nos últimos dias. Uma delas disse que o vôo que fazia pra Curitiba teve de arremeter. Para quem não sabe o que é isso, trata-se da operação em que o avião faz uma espécie de nova decolagem quando está quase tocando o solo da pista do aeroporto. As razões para tal procedimento são diversas, como tráfego intenso na pista, algum erro de cálculo ou qualquer outro problema que venha a colocar em risco o pouso da aeronave. Já vivi isso uma vez, e posso assegurar que o frio na barriga é espantoso. De acordo com a mocinha, os fortes ventos na pista obrigaram o piloto a executar tal manobra.
Outra aeromoça, que estava ao meu lado, disse ter vivido uma situação pior. O avião em que ela viajava tocou a pista — não lembro mais de qual cidade —, mas, também por causa dos ventos fortes e do impacto do pouso, levantou de novo, batendo na pista logo em seguida e deixando arregalados todos os olhos dos passageiros e tripulantes da aeronave.
Huuummm. Que legal. Ainda por cima, as criaturas começaram a lembrar dos desastres aéreos registrados nas últimas semanas. Não tenho nem nunca tive medo de viajar de avião, mas será que elas precisavam mesmo ficar tocando naquele assunto durante o vôo? O pior é que o tempo estava muito feio. A partir do procedimento de descida, que dourou ao todo uns 50 minutos, não conseguíamos ver nada pela janela. Apenas espessas e mal encaradas nuvens de chuva.


Pra completar, o piloto nos avisa que está fazendo frio em Foz do Iguaçu. “Frio?”, pensei eu. “Não deve ser tanto”, tentei me convencer. O veado do piloto parece que leu meu pensamento e completou a informação: “11 graus!”. Puta merda, já comecei mal. Eu estava com uma reles camiseta e calça jeans, e o único casaco que eu levara estava dentro da mala que eu havia despachado!
Tem mais. O aeroporto de Foz é dos pequenos, que não têm aquelas pontes de embarque e desembarque, o que obriga os passageiros a andar pela pista. Ai de mim. O vento estava que nem navalha, pois cortava de tanto frio. O ar estava altamente úmido, exatamente o oposto do de Brasília, onde a seca nos castiga com umidades irrisórias, às vezes abaixo dos 10%!
Ok, depois de bater muito queixo e entrar na van que me levaria ao hotel, tratei de me agasalhar. A chegada ao hotel, no entanto, foi pior que o frio. Aos que conhecem a letra da música Hotel California, da banda Eagles, vai ser fácil de entender. Sabe aquele trecho da letra que diz “(…) This could be Heaven or this could be hell (…)”? — pois foi exatamente isso que me passou pela cabeça ao adentrar meu quarto, o 307. Quando olhei para o aparelho de ar-condicionado (que obviamente não seria utilizado), fiquei impressionado. Pensei ter errado de endereço e entrado em um museu, tão antigo era o equipamento. Mas o susto maior foi com a televisão. Que coisa velha, minha gente. Tenho certeza de que ela foi usada para distrair Caim e Abel enquanto crianças. Nunca vi uma TV tão antiga. Como estava acoplada ao aparelho de TV a Cabo, resolvi mudar os canais. Só que, como eu temia, nada funcionava. A começar pela ausência de controle remoto. Procurei-o por toda parte, mas não achei nada.
Liguei para a recepção. Veio um cara com um controle. Mexeu daqui, mexeu dali, mas nada de a geringonça funcionar. “Devem ser as pilhas", justificou ele, achando que me enganaria. “É, deve ser isso mesmo”, concordei cinicamente, esperando-o voltar com pilhas novas. Não deu certo. Voltou com outro controle. Não deu certo. “O senhor se importa, então, de mudar de quarto?”, perguntou o cidadão. Quase que eu respondo: “eu me importo é de ficar neste cafofo!”, mas guardei minha ironia.
Bem, o outro quarto era levemente melhor que o primeiro. Em relação ao outro ar-condicionado — que deve ter refrescado a sala do engenheiro das pirâmides do Egito —, o aparelho do novo quarto era mais “moderno”, algo provavelmente dos anos oitenta (antes de Cristo, claro). Mas, tudo bem. Como disse, o frio era de rachar e, se eu ligasse aquele troço, seria basicamente na função de aquecedor.
A TV também era mais novinha. Deve ter sido aquela que o Chateaubriand viu pela primeira vez antes de trazer a novidade pro Brasil, em 1950. Ah, ainda tinha o telefone. Era um aparelho daqueles com disco, e não com teclas. Para ser ainda mais exótico, o do meu novo quarto era vermelho (fiz uma foto dele, mas preciso escaneá-la) Certamente foi com aquele aparelho que Cleópatra e Marco Antônio ficavam namorando a distância, antes que a dose de cicuta desse fim ao romance dos dois. O pior é que a bosta também não funcionava. Aliás, só funcionava para ligar pra dentro do hotel. Perdi duas horas, duas mesmo, tentando ligar pra casa. Sem sucesso. Tive de usar o celular. Em apenas um dos dias a geringonça funcionou, mesmo assim porque tive de pedir à recepção que fizesse a ligação e a transferisse ao meu quarto.


O público do hotel também não era dos mais seletos. Como o estabelecimento está localizado no centro de Foz, bem pertinho das fronteiras com o Paraguai e a Argentina, a mistura de povos, línguas e sotaques lá é imensa. Mas jamais pensei que isso seria um problema. Mas foi. Puta merda, como foi!
Tinha umas caravanas de paraguaios mal-educados e barulhentos que infernizaram a minha estada na terra das cataratas. E não eram jovens. Pelo contrário. Era uma velharia tagarela, ligada em 220V, que encheu minha paciência. Eles saíam cedo do hotel e, quando voltavam, já era madrugada. Vocês acham que eles se preocupavam com algo chamado Lei do Silêncio? Nem em sonho. Chegavam gritando pelos corredores, acordando a todos. O pior é que os safados não se contentavam em chegar fazendo barulho e logo entrarem em seus aposentos. Ficavam no corredor, tagarelando em espanhol metálico, capaz de arrepiar até a lua.
Em um dos dias, a sacanagem começou lá pelas cinco da manhã. Era uma gritaria infernal bem no horariozinho do sono mais gostoso. Fiquei puto. Lembrei dos colegas venezuelanos, espanhóis, argentinos e mexicanos que fiz quando morei fora e dos palavrões que eles me ensinaram: “Hijo de su puta madre!” é um dos meus favoritos, mas claro que, para não perder a razão, não o pronunciei. Mas também não podia deixar aquilo como estava. Pulei da cama, fui pra trás da porta e, em meio à zorra, fiz: xxxiiiiiiiiiiii! Cala-te!!!”. Ainda pensei em embromar e apelar pro portunhol, construindo a seguinte frase: “Cala-te, puerra!” Mas, além de não ter sido necessário, certamente eles não entenderiam a idéia do sonoro “porra” que eu queria enfatizar. Mas o importante é que funcionou e “los viejos” entraram em seus quartos e calaram as respectivas bocas.
Mas o sossego ainda não havia chegado. No dia seguinte, um novo ônibus chegou ao hotel. Para o meu desespero, em vez de velhinhos, trouxe uma multidão de adolescentes — a categoria humana mais escandalosa. Pelas feições, eram todos paraguaios ou peruanos. Não sei. Mas são aqueles que são todos iguaizinhos, que andam de ponchos e ao lado de lhamas. Foi um inferno. Nos elevadores, no lobby, no restaurante. As pragas estavam em tudo o que é lugar, sempre brincando, brigando, correndo e, claro, gritando.


Bem, mas o auge da insatisfação com o hotel foi o meu último dia por lá. Além de ter sido várias vezes despertado pelas criaturas gasguitas que ali estavam hospedadas, levei um susto que quase infarto. Eram seis e meia da manhã quando ouço um barulho de chave girando na fechadura. Depois, ouvi um barulho de maçaneta virando e, por fim, o som de porta abrindo! Só então me dei conta de que era a minha porta! Com o estoque de paciência absolutamente zerado, berrei: “Ei, que merda é essa, porra!!!?”. A desvairada da camareira deve ter se assustado mais do que eu, recuou imediatamente, e saiu pedindo perdão. É cada uma. Não acabou. Quando fui tomar café, cheguei ao salão e coloquei a minha chave na mesma mesa em que sentei nos outros dias. Fiz o meu pratinho e, quando volto à mesa: cadê a chave?? Ah, meu Deus. Eu devo ter trocado o vinho da Santa Ceia por Grapette. “Essa foi demais”, pensei. Na mesma hora, chamei o cara que estava atendendo aos hospedes e comuniquei que a minha chave havia sumido. “Tem certeza de que trouxe a chave, senhor?”, perguntou-me o pateta. “Não imbecil, tô procurando a chave pra ver se abro a sua cabeça e coloco algo aí dentro”, pensei em responder. Mas para a sorte dele tive uma educação muito boa e bastou um olhar para ele entender a resposta. Em dois minutos, todos funcionários estavam procurando a chave, pois eu relatei o que ocorrera mais cedo e disse que se roubassem meus parcos pertences ia ter. Num instante acharam a chave. Um dos chicanos a havia pego por engano e a deixado na recepção, me disse o funcionário do hotel. Como eu não duvidava de mais nada, voltei pro quarto após o café e chequei direitinho todos os meus objetos. Pelo menos nada foi levado — ou nada que eu ainda não tenha dado falta.
Pois foi isso, minha gente. Uma estada cheia de surpresas. Ainda bem que, ao contrário da música, não ouvi, na hora de deixar o hotel, a frase da música Hotel California: “You can checkout anytime you like, but you can never leave”...

2 comentários:

Anônimo disse...

"Cala-te puerra" é muito bom!!!! Que sucesso esse portuñol, hein!
Rolei de rir aqui no trabalho...
Lalá

Wagner Vasconcelos disse...

Relendo-o, agora, Lalá, também achei a idéia do "puerra" engraçada. Mas que na hora me deu vontade de cometer um "paraguaicídio", ah, isso deu!
Beijos